A relação dos contribuintes com os diversos fiscos no Brasil sempre foi tortuosa e, muitas vezes, litigiosa. De um lado, está o Estado, poderoso e com base no império da lei, e do outro, o contribuinte, obrigado a recolher os seus tributos, muitas vezes além da sua real capacidade de pagamento. Basta uma simples análise do aumento da carga tributária no Brasil que, no início década de 1990, era de cerca 25% e que, nas últimas décadas, está em torno de 35% do PIB, para constatar o seu peso na economia.
É inegável que muitas vezes o Estado é visto como um fim em si próprio, aumentando as suas próprias despesas e criando estruturas caras e desnecessárias, que leva o contribuinte a arcar com algo que está fora do seu alcance.
Os bilionários déficits públicos da União e a falta de capacidade de pagamentos das suas obrigações pelos estados e municípios estão devidamente demonstradas. Apesar disso, a relação direta entre a carga tributária e as despesas públicas não é debatida amplamente pela sociedade, sinal do pouco amadurecimento em relação ao seu papel de cobrar o bom uso do dinheiro arrecadado dos pagadores de impostos.
Em decorrência desse desequilíbrio, os bons contribuintes, que muitas vezes deixam de pagar as suas obrigações por uma real falta de capacidade - frequentemente gerada pelas crises econômicas que ocorrem no Brasil - e os maus contribuintes, aqueles que deliberadamente costumam não pagar seus tributos, são tratados pela mesma de forma pelo fisco, gerando ainda mais distorções na concorrência entre as empresas, o que é um problema para o desenvolvimento sustentável do País.
Como consequência desses problemas, tivemos a criação de um passivo tributário trilionário que a União (credora de mais de dois trilhões de reais), Estados, DF e Municípios têm a obrigação de cobrar, com base na lei de execuções fiscais (Lei nº 6.130/80), norma arcaica e completamente fora da realidade dos dias atuais, pois desconsidera as razões da inadimplência e parte da premissa que o Estado é eficiente e cobra apenas o necessário do cidadão e das empresas.
Tal estrutura legal leva a uma eterna "briga de gato e rato", onde os contribuintes, os bons e os maus, buscam fugir do fisco, de forma legitima ou não; e, por sua vez, o fisco, de forma legítima - ainda que por vezes exagerando em suas ações - busca receber os tributos, muitas vezes números fictícios, pois não encontrará património suficiente do contribuinte para saldar essas dívidas, em sua grande maioria majoradas com multas altas e com correções exageradas, como o uso da taxa Selic, por exemplo.
Todo esse cenário juridicamente complexo e que afasta investimentos, começa a mudar por meio de uma inovadora visão do problema, especialmente pelos procuradores da Fazenda Nacional e também de alguns estados, a exemplo de Pernambuco e São Paulo. A possibilidade de se firmar acordos, por meio da chamada transação tributária, instrumento previsto no Código Tributário Nacional, desde 1966, mas que parecia "letra morta", ou melhor, algo que nunca seria posto em prática.
É com grande entusiasmo que acompanhamos o empenho dos procuradores da Fazenda Nacional em criar uma série de normas internas para conferir efetividade à Lei no 13.988, de 14.04.2020, que dispõe sobre a transação tributária no âmbito federal. Com isso, a Fazenda Nacional e também os contribuintes, em condições específicas, podem apresentar propostas para a resolução de conflitos em relação à maioria dos créditos tributários. Não se trata de parcelamento tributário, é algo muito mais abrangente. Das pessoas físicas e pequenas empresas até grandes companhias, todas podem se adequar aos termos da transação, que tem condições especiais para os acordos firmados até 29.12.2020, mas continuará em vigor.
O mais importante é verificar as premissas utilizadas pela administração pública, a exemplo da presunção de boa fé do contribuinte, da redução da litigiosidade e da adequação da cobrança à capacidade de pagamento das pessoas físicas e jurídicas, o que representa uma mudança de perspectiva fundamental, pois é possível demonstrar e tratar das especificidades de cada caso. Em outras palavras, a transação é um instrumento de justiça tributária.
Recentemente, o Instituto dos Advogados de Pernambuco promoveu um encontro com procuradores da PGFN para debater o tema, oportunidade em que ficou demonstrada a determinação de se avançar na consolidação da transação tributária como algo permanente. Importante que os colegas da advocacia privada tenham a mesma preocupação e compromisso com o sucesso dessa modalidade de solução de conflitos.
As transações têm ainda uma outra relevante consequência: permitir que as empresas independentemente do seu tamanho possam atuar e investir sem o receio de bloqueios e restrições, dando uma nova perspectiva de futuro as suas atividades, o que já se verifica na prática. A transação tributária pode, enfim, se tornar uma forte aliada do desenvolvimento económico do País.
Gustavo Ventura
Presidente da Câmara Brasil Portugal Pernambuco
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